28 novembro 2006

Temas em destaque: Carvão é usado para a fabricação de componente de aço usado por gigantes norte-americanas como a GM e a Whirlpool

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São Paulo, terça-feira, 28 de novembro de 2006 - Dinheiro
EUA investigam trabalho escravo no Brasil
Deputados democratas encabeçarão investigações sobre uso de mão-de-obra escrava em carvoarias da Amazônia

Carvão é usado para a fabricação de componente de aço usado por gigantes norte-americanas como a GM e a Whirlpool

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

O Congresso dos EUA investigará denúncia de que partes de peças fabricadas no Brasil e usadas em carros, tratores, implementos agrícolas, banheiras e pias nos EUA são feitas com mão-de-obra escrava. O assunto será uma das prioridades dos democratas no novo Legislativo, que toma posse em janeiro e terá maioria do partido.
A afirmação foi feita pelos congressistas democratas que encabeçarão a petição, Eliot Engel (Nova York) e Dennis Kucinich (Ohio). Engel disse que quer usar seu mandato para lutar contra o trabalho escravo no Brasil: "O governo pode usar seu poder de persuasão para mudar práticas complacentes das empresas".
Doug Gordon, assessor de Kucinich, disse que "a denúncia é motivo de grande preocupação para o congressista, que vai investigar esse assunto com muito cuidado tão logo tome posse". O democrata já tinha declarado que há "provas gritantes" de que o material exportado do Brasil é feito com mão-de-obra escrava -"o pior exemplo de globalização".
Eles investigam a acusação de que parte do carvão produzido na Amazônia, usado na fabricação do ferro-gusa, principal componente do aço, é feita com trabalho escravo. Parte do produto é comprada por montadoras com atividade nos EUA ou americanas, como Toyota e General Motors. A denúncia foi feita em reportagem da agência de notícias Bloomberg no dia 2.
Os repórteres acompanharam uma blitz do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho brasileiro na carvoaria Transcametá, em Tucuruí (PA). Ali, segundo a fiscalização brasileira, foram encontrados 29 trabalhadores em regime de semi-escravidão, sem direito a alojamento, eletricidade ou água encanada. Numa carvoaria próxima, a J. Pereira Ancião, outros dez operários foram libertados pelo grupo.
Os proprietários de ambas as carvoarias já pagaram as indenizações devidas, segundo a Justiça, R$ 100 mil no primeiro caso, R$ 35 mil no segundo. O problema é que a principal compradora das duas carvoarias, segundo a reportagem, é a Siderúrgica do Pará S.A. (Cosipar), a terceira maior exportadora de ferro-gusa do Brasil.
Além disso, 90% do produto exportado pela Amazônia vem para os EUA. Entre seus clientes, além da Toyota e da GM, estão nomes conhecidos nos EUA como a Whirlpool, maior fabricante de implementos agrícolas do mundo, e a Kohler, que faz pias e banheiras. O Ato Tarifário de 1930 proíbe a importação de produtos feitos por trabalho forçado.
A Kohler, que usava uma empresa que tinha a Cosipar como fornecedora, interrompeu suas compras. A GM interrompeu provisoriamente, para as retomar depois de considerar satisfatórias as explicações dadas pela compradora texana da Cosipar.
A denúncia encontra eco no novo Congresso dos EUA, com bancada democrata importante eleita no começo do mês com bandeiras trabalhistas. Dela fazem parte tanto Kucinich, 60, em seu sexto mandato e membro do Comitê de Reforma Governamental, quanto Engel, 59, também em sexto mandato, que deve tronar-se presidente do subcomitê para a América Latina da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.
A plataforma econômica dos democratas prevê uma revisão de todos os acordos comerciais e benefícios tarifários em vigor à luz de três fatores determinantes: as condições trabalhistas do país em que o produto exportado foi feito, o número de empregos que tal acordo custa aos EUA e os danos ao ambiente causados na produção do bem exportado.
Se levar o Congresso a tomar algum decisão desfavorável ao Brasil, a denúncia atingirá um setor caro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que fez da luta contra a mão-de-obra escrava uma bandeira de seu governo.
Outro lado

Siderúrgica diz exigir que lei seja cumprida
SÍLVIA FREIRE
DA AGÊNCIA FOLHA

O vice-presidente-executivo da Cosipar (Companhia Siderúrgica do Pará), Cláudio Monteiro, disse via e-mail que a empresa "faz um grande esforço" para evitar o uso de carvão vegetal produzido em carvoarias que utilizem trabalho em condições análogas à escravidão.
Segundo Monteiro, a siderúrgica exige dos fornecedores a apresentação de cópias das guias de recolhimento de INSS e FGTS dos funcionários para atestar o cumprimento das leis trabalhistas.
"Sem esse procedimento [apresentação das guias], o carvão não é desembarcado", disse.
Segundo ele, até agora a empresa não sofreu restrições nem questionamentos pelo mercado americano sobre esse assunto.
A Cosipar produz 500 toneladas de ferro-gusa -liga metálica utilizada na produção do aço-, das quais que 350 toneladas são destinadas a exportação. Parte vai para a indústria automobilística.
Para o delegado regional do Trabalho no Pará, Jorge Lopes de Farias, "as providência tomadas no Brasil pelo Ministério do Trabalho e outros órgãos como Ministério Público do Trabalho já vêm inibindo paulatinamente o emprego de mão-de-obra [análoga à escravidão]".
Segundo ele, as siderúrgicas firmaram termos de ajustamento de conduta com o Ministério Público do Trabalho ou com o próprio Ministério do Trabalho, pelos quais se comprometeram a não comprar carvão vegetal de empresas que usem mão-de-obra escrava ou infantil.
Para Farias, os casos de trabalho em condições análogas à escravidão encontrados na produção de carvão vegetal são resultado da falta de alternativa de trabalho na região, da carência de qualificação profissional e da exploração desses fatores por "maus empresários".